Descobrindo a Região de Ribeiro (I)

Colinas de vários tons cromáticos que se precipitam sobre o abismo da terra. Outeiros suaves onde se diria que reside o segredo da boa vida. Vales com uma paleta de cores tão rica, tão fecunda, que surpreende os visitantes com nuances diferentes mediante a altura do ano. Vales apetrechados com uma densa vegetação que parece coroada por um maravilhoso halo rosáceo… tudo isto é Galiza!

río miño

Mas a Galiza também são os prazenteiros bosques de carvalhos, pinheiros, castanheiros, bétulas, salgueiros e amieiros que surgem no campo como se fosse com o objectivo de oferecer protecção aos pássaros ou encantar os viajantes. Inúmeras igrejas romanas que despontam profusamente ao longo dos caminhos. Mansões esplêndidas com varandas que se debruçam sobre as praças mais singulares e cuja recatada beleza comove até os mais duros de espírito. Cruzeiros sem fim que florescem ao lado daquelas igrejas, e praças que despontam como imperturbáveis rosas de pedra...  

cruceiro 

 

… E ainda fortalezas antigas que falam de povos improváveis de tempos ancestrais. Pontes antiquíssimas que atestam da natureza hospitaleira e amistosa destas terras sem tempo e imemoriais...

leiro

… E em todo o momento a presença constante de dois elementos que transcendem a mera dimensão física e se estabelecem como referências simbólicas: o rio e as videiras, água e vinho, o autêntico alfa e ómega de um mundo dionisíaco ou órfico; sem gigantes, sem duendes nem elfos ou hobbits, mas que nos surge com tanto ou mais charme do que se esta fosse uma terra fantástica.

Neste artigo falamos de Ribeiro, um lugar intoxicante, hospital hölderliano, um paraíso sonhado, o ponto de partida para uma série de viagens à volta da Galiza e das regiões vizinhas.

A região de Ribero

Quando olha para o mapa desta zona, a primeira coisa que lhe vai assaltar a atenção são linhas imaginárias que parecem traçar uma figura em torno de Ribeiro. Será um triângulo, uma flecha invertida? Não, é a configuração de uma enorme extensão de videiras que parece um cacho de uvas invertido!

Não é uma coincidência extraordinária que a região vitivinícola mais tradicional da região da Galiza tenha a forma de uvas?

Se, ao longo dos séculos, alguém se tivesse apercebido desta forma geográfica tão curiosa, muitos dos monges e clérigos de mosteiros da área teriam dado um enfoque diferente à produção e promoção do vinho. Com certeza que esse desígnio teria abonado a favor da sorte e do bom vinho por intermediação da divina providência.

viña

O nosso passeio começa em Oseira. Este sítio não pertence à região do Ribeiro, mas por ficar por perto e haver tão bons motivos para a enunciar, não podíamos deixar passar as suas preciosidades.

Mosteiro de Oseira, muito mais do que a Galiza Escorial

Localizado na paróquia de San Cristovo de Cea, localidade que conta com 3 mil habitantes, o Mosteiro de Oseira foi o primeiro da Ordem Cisteriana a ser fundado na Galiza (remonta ao ano 1141). Aconchegado entre o estreito vale de Oseiro – há um caminho serpenteante que vai dar directamente ao mosteiro através do vale –, a abadia irrompe majestosa entre a natureza, integrada num ambiente puro e rico em biodiversidade.

A expansão assinalável do mosteiro só foi possível graças às doações do rei Alfonso VI e da própria actividade produtiva do mosteiro, que sempre soube valorizar as riquezas naturais ao seu redor e desenvolver uma economia pelo comércio de artesanato e de comida.

Foi assim que os monjes de Oseira, conhecedores das técnicas de fresagem e panificação, acabaram por tornar Cea conhecida como a “Vila do Bom Pão”. Famoso em toda a Galiza pelo seu sabor e textura, o pão de Cea é um dos poucos produtos em Espanha que são protegidos pela Indicación Geográfica Protegida. Não se esqueça por isso de comprar o pão tão típico e saboroso na sua viagem até Oseira!

 Monasterio de Oseira

 Em breve o mosteiro tornar-se-ia num dos mais ricos e poderosos do norte peninsular, convertendo-se no centro nevrálgico de todas as transacções comerciais nas actuais regiões de Ribeiro e Carballiño, e inclusivamente detendo propriedades nas Rias Baixas. Ao que se sabe actualmente, a elaboração de um plano vitivinícola em Ribeiro data de tempos antigos, antes antes da chegada dos romanos. Foram os monges cisterianos (séculos XII e XIII) quem deram o impulso decisivo para estimular as plantações e cultivos daquelas áreas banhadas pelo Miño.

Iglesia de Oseira

O soberbo conjunto monumental é formado por construções arquitectónicas de diferentes períodos artísticos. São especialmente notáveis as modificações e o restauro da época renascentista. 

detalle iglesia oseira

Alguns dos destaques incluem os três claustros do mosteiro e a igreja medieval da primeira metade do século XIII, um exemplo único de arquitectura cisteriana (aquela construção pura que fazer levitar e “verticaliza” o rigor da pedra, deixando para trás todos os traços romanescos e com qualidades suficientes para não se poder considera-la meramente um prelúdio do estilo gótico) e sem paralelo na península ibérica.

vista de oseira 

Carballiño, no encalce de Palacios

A distância que vai entre Oseira e Ribadavia, a fascinante capital de Ribeiro, é de apenas 35 quilómetros. A meio deste percurso encontramos Carballiño, uma localidade jovem e de edifícios modernos que todos os verões celebra a sua muito concorrida Festa do Polbo (a festa do polvo).

Podemos dizer que há indícios históricos de que o melhor polvo da Galiza (e em boa verdade o melhor polvo do mundo) foi degustado aqui, a 70 quilómetros do mar, e a razão para um facto tão paradoxal tem de se encontrar na pretérita ousadia de Oseira, para além dos monges terem habitualmente um apetite voraz, obviamente.

Templo de Vera Cruz

Mas além dos verdadeiros prazeres gastronómicos que esta cidade nos oferece, é mais que justo que façamos uma paragem em Carballiño para admirar o Templo de Vera Cruz, uma obra que deu fama ao inconfundível Porriño Antonio Palacios (arquitecto genial que, entre muitas outras coisas, renovou a imagem de Madrid, resgatando-a do seu antiquado provincialismo para lhe dar novas orientações estéticas que outros haviam de desenvolver) – foi também ele que levou a cabo uma espécie de revolução palaciana, fundamentada na excelência do granito e, por isso mesmo, não seria estranho que o descobríssemos no seu leito de morte dizendo as palavras derradeiras: “encontrei uma cidade de ladrilho, e transformei-a por outra de granito”.

Alguns dos edifícios mais conhecidos de Madrid são obra do arquitecto da Galiza, que entre outros marcos projectou o colossal Palacio de Comunicaciones, actual câmara municipal.

vista lateral templo vera cruz 

Palacios sempre teve uma ligação umbilical à Galiza, trabalhando sobre temas locais, mitos, motivos e inspirações da terra, e tendo deixado um sem número de projectos inacabados, especialmente na área de Vigo.

O Templo de Vera Cruz exibe a amálgama estimulante de estilos que o arquitecto gostava de colocar em diálogo, desde o pré-românico ao gótico, combinando soluções medievalistas e neotradicionalistas com uma estética completamente nova e de cunho pessoal a que faltou dar um nome, mas que tecnicamente poderíamos designar de Expressionismo Atlântico. Por outras palavras, são edifícios que não deve deixar de ver.

A rota da água

Cunqueiro referiu-se à Galiza como a terra dos mil rios. Há-os na região de todas as dimensões e de várias compleições: largos, médios, pequenos e de caudal muito diminuído. Há aqueles que são afluentes, os que desembocam em rias, alguns chegam ao mar formando estuários e até existe um que é singular em toda a Europa: o rio Xallas, que vai desaguar no oceano depois de se precipitar numa imensa cascata de mais de 100 metros (um verdadeiro feito olímpico).

Castrelo de Miño

Ribeiro também tem uma alma fluvial. Os rios da região interligam-se por um sistema circulatório de veias e capilares que levam a água até às várias povoações da zona. O rio Oseira, por exemplo, corre para Arenteiro, que por sua vez corre até Avia, e depois para o Miño, como se se tratasse de um jogo de Matrioskas em que é sempre possível descobrir um afluente mais pequeno.

Existem três rios principais. O Avia circula abruptamente pela região, de norte a sul, transformando a paisagem em vales profundos, seja no afluente em Avión, seja no seu encontro com Miño em Ribadavia. O grande rio galego, por outro lado, atravessa mansamente as terras de Ribeiro, chegando do sudeste.

Pouco antes de abandonar a região, o Miño recebe Arnoia do seu lado esquerdo. Arnoia é um rio cabalístico, misterioso logo no seu nome: a raiz da palavra, Arn-, é pré-indoeuropeia e está presente noutros hidronímicos do continente (também é assim com o rio Arno, que passa por Florença). 

 

El Avia en Ribadavia

Nesta extensão do Miño existe uma rota de catamarãs que permite admirar placidamente a beleza do vale de uma outra perspectiva. Para amantes dos desportos de água, o Castelo de Miño, onde funciona também um clube náutico, representa uma agradável surpresa. O grande caudal de água permite a prática de actividades como remo, vela e canoagem. Tudo isto num ambiente natural poderoso, rodeado por vinhas e sempre com a silhueta vigilante da igreja de Santa María dominando o reservatório.  

Poza en el Cerves

Para os mais aventureiros recomendamos: Cerves, que fica depois de Melón. Trata-se de um rio de curso violento, cheio de ravinas inacessíveis, cascatas sublimes e piscinas naturais. Os acentuados declives do curso convidam à prática de desportos de aventura como canoagem. Só que: as gargantas que se formam não estão isentas de perigo e há que ter cuidados extra quando praticar este desporto.

Vista retrospectiva del Miño

Chegados a este ponto da rota, parece-nos razoável parar um pouco e recuperar o fôlego. Em breve retomaremos o percurso pela região de Ribeiro. Vamos conhecer os segredos enológicos da zona, visitar uma das maiores fortalezas da península e descobrir uma maravilhosa aldeia repleta de casas senhoriais e que se esconde no meio de uma floresta. Estes são apenas alguns dos atractivos que nos esperam na próxima etapa.